Como artista, não vejo como separar o contexto histórico em que vivemos, daquele universo particular de onde se extrai e se produz objetos artísticos. Somos cidadãos de um mundo–aldeia global. Somos tomados por notícias de jornal e tv, “memes” que se espalham na internet; pelo bombardeio de imagens, guerras, acidentes, misérias, eventos pop e descobertas fascinantes da ciência – fatos distantes (?) – que invadem nossa história pessoal.
Neste momento, é a necessidade de mitigação deste “ruído” que me interessa como tema de exploração e projeto artístico: uma forma ritualística de exorcizar e compreender a sensação de ser testemunha e ao mesmo tempo agente de um salto qualitativo da história humana, talvez tão marcante quanto a Revolução Industrial: a Revolução Digital – a era da informação – cuja ferramenta catalizadora e exponencial é o computador.
WAR GAMES [díptico]
War Games I: Cracker
War Games II: Space Invaders
O chip. O chip inserido no DNA. Paradigmas são quebrados, valores éticos se modificam e a civilização se reorganiza, plena de contradições: na convivência do high-tech e do arcaico low-tech, do oriente e do ocidente; do ser online ou offline; da canibalização desordenada dos recursos da natureza em nome do consumo imperativo, o conforto e seu substrato – o lixo, os restos, a poluição. É hora de refletir.
Deste processo de reflexão sobre arte, tecnologia e mal-estar na civilização – ou “progresso” – surgiu este paralelo entre nós, homo sapiens, e os extintos hominídios pré-históricos com seus desenhos, simbólicos por essência: à luz da arqueologia, quais são os nossos registros “rupestres“, aliados aos objetos e ferramentas que nos permitem compreender esse tempo?
Seria possível vislumbrar o zeitgeist da nossa vida contemporânea por nossos registros? Foi-me preciso criar um distanciamento: tentar olhar nosso presente como se estivéssemos no futuro, alguns séculos à frente. Um futuro distópico ou utópico?
A Queda do Céu
Na cybercultura e seu fluxo de movimento “civilizatório”, valores fundamentais são soterrados e jazem no inconsciente de todos nós, aguardando um resgate arqueológico. Por detrás de todos estes sintomas, quais seriam nossos verdadeiros anseios, aqueles que ficariam gravados na filosofia do nosso tempo como “o eldorado”, a busca primordial?
O que povoa nossa memória, nossos sonhos e afetos, nosso inconsciente coletivo?
Quais desses valores serão soterrados por novas camadas arqueológicas de civilização, e quais sobreviverão?
Telekids
Nesta equação reunem-se virtudes e vícios, grandeza e a mesquinharia; intensa beleza e miséria. Daí surgem as questões de nossa sociedade contemporânea: nas engrenagens da comunicação de massa, são criados novos desejos de consumo, embalados pelo culto às aparências e suas facetas de beleza, status e poder. No reverso, nascem manifestações de frustração, impotência e violência.
A natureza humana é contraditória, o “homem-máquina” é selvagem.
Ex-Machina
Que então seja eu própria uma testemunha desse tempo e lugar, amostra de homo sapiens traçando rituais, costumes e narrativas no século 21 sobre superfícies que serão despojos um dia. Matéria que será fossilizada em camadas e que arqueólogos olharão com curiosidade e estranheza, buscando sinais inteligíveis de um sistema civilizatório arcaico.
Nesse olhar, trabalho com o contraste da tela clássica e dos recursos digitais; os materiais industrializados e eletrônicos contrapostos à sensação de crueza do artesanal, do papel, da textura “terracota” e rústica.
É um aprendizado, uma busca: entrever o futuro ao avesso, como quem encontra gravações do legado humano sobre um disco dourado e viajante do espaço, à bordo de uma nave perdida. Romper acomodações, explorar idéias, evoluir: estamos no caminho.
Luciana A. Lumyx