DIREITOS AUTORAIS
O GAP:
Autores musicais unindo-se para proteção de seus diretos
A voz do dono*
No exterior, sociedades arrecadam e distribuem direitos idênticos aos que ECAD administra, sem qualquer questionamento
por Dudu Falcão, Felipe Radicetti, Roberto Frejat, Tim Rescala
27/03/2018
“De forma desrespeitosa, a indústria fonográfica vem insistindo em tentar convencer a mais alta magistratura do País de que, aos autores e aos músicos não lhes resta mais do aceitar as regras ditadas por ela. “
O Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música é uma associação de artistas músicos, compositores, empresários e advogados que desde 2006 vem atuando junto ao Poder Legislativo por avanços na legislação brasileira sobre a música no país. Para destacar algumas das mais importantes conquistas, logramos a aprovação e sanção da Lei 11.769/2008 que tratou da volta do ensino de música nas escolas, a revisão da lei autoral que resultou na 12.853/2013 e a PEC 123/2011, a chamada PEC da Música, que corrigiu distorções tributárias incidentes sobre a música gravada no Brasil, entre outras ações. A defesa do elo criativo da produção musical brasileira, ameaçada por recentes manobras de empresas multinacionais, é um tema de alta relevância, merecedor de todo o nosso interesse e engajamento. Por isso, o GAP se pronuncia sobre essa pauta, alertando os ministros do STF, como também a toda a imprensa.
Embora clara e bem conhecida, a realidade é frequentemente esquecida, ou então negada, quando se trata de discorrer sobre os direitos dos autores, dos artistas e dos músicos ou de interpretar as leis elaboradas para protegê-los. Teses que poderiam ser oportunas, por vezes se mostram oportunistas e, em lugar de dar maior segurança ao exercício dos direitos conquistados pela classe, semeiam dúvidas em lugar de certezas.
Afinal, para que servem as leis sobre direitos de autor e direitos conexos? Para defender os criadores só em tese, ou também para assegurar-lhes uma justa remuneração pela utilização do seu trabalho?
É justo reconhecer – e os criadores sempre reconheceram – a importância da indústria que investe em cultura. Por isso mesmo, autores, artistas e músicos compartilham a lei que os protege e os resultados financeiros de seu trabalho com os agentes que atuam no mercado, apesar de saber que eles são capazes de erguer e destruir coisas belas. O que não é justo, nem aceitável, é que, por outro lado, esses agentes não reconheçam a importância dos que criam a matéria prima para o seu “core business”.
De forma desrespeitosa, a indústria fonográfica vem insistindo em tentar convencer a mais alta magistratura do País de que, aos autores e aos músicos não lhes resta mais do aceitar as regras ditadas por ela. No entanto, nada justifica que, na complexa relação que se estabelece entre criador e indústria, tais agentes recorram a intrincadas interpretações para fomentar um mercado anárquico, sem qualquer transparência, que atua somente em seu benefício.
Nos meios digitais, seja via webcasting, simulcasting, download ou streaming (interativo ou não, pouco importa), várias das modalidades de uso expressamente previstas no Art. 29 da Lei 9.610 /98, se encontram presentes. Tais modalidades, como diz a lei, são independentes entre si, sendo que, no ambiente digital, elas se apresentam de forma combinada. O que é preciso, portanto, é saber quais as modalidades que coexistem, em maior ou menor proporção, em cada tipo de uso. Dependendo da finalidade com que esse uso é oferecido ao público, a balança vai pesar para uma ou para outra, sem que isso afete o preço final a ser pago. Os critérios de interatividade e simultaneidade resultam da evolução da tecnologia, que é neutra e não interfere na modalidade de uso. Além disso, a legislação brasileira não contém qualquer referência a essas questões, não importando se o uso é interativo ou não e se ele se dá de forma simultânea ou sucessiva.
Para o bem da classe musical, esse entendimento foi adotado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que acompanhou o voto brilhante do Ministro Vilas Boas Cueva, no sentido de reconhecer a competência do ECAD para o simulcasting, o webcasting e o streaming. Não há como discordar do Relator quando ele observa que, assim como a tecnologia, o conceito de público também evoluiu, ampliando seu espectro. Submetida em seguida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, a questão foi considerada pelo Ministro Alexandre de Moraes como matéria infra-constitucional, não sendo portanto da alçada daquela Corte. Logo, não há porque dar mais voltas em um assunto que já foi amplamente debatido. O que se pode esperar é que a discussão seja encerrada o mais rapidamente possível, para que todos os interessados possam gozar da segurança jurídica necessária para a celebração de contratos de licenciamento e remuneração.
Quanto à realidade, é preciso que se esclareça o que acontece na prática, nesse momento. Da receita obtida pelas plataformas de streaming, 30% são reservados para os custos próprios; 58% são destinados às gravadoras; e restam apenas 12% para autores e editoras. No Brasil, há que adicionar os seguintes detalhes: as gravadoras remuneram os intérpretes, regra geral, com base nos contratos firmados ainda na era do CD (que não representam as atuais condições de mercado); as editoras filiadas à UBEM estabelecem um pagamento de 12% para suas associadas (que não representam a totalidade do segmento), concedendo um “desconto” de 3% caso a plataforma decida pagar os direitos de execução pública ao ECAD, para distribuição entre os milhares de autores filiados às associações que o integram.
Impedido pelas gravadoras da ABPD/“Pro-Música” de arrecadar os direitos conexos musicais frente aos provedores de conteúdo, o ECAD se viu obrigado, até agora, a assinar seus contratos com os meios digitais somente para os autores. Com isso, os músicos, que nada recebem das gravadoras, permanecem alijados do sistema, passando a ser “outsiders” no mercado digital.
A classe musical que apoiou a Lei 12.853/13, como corolário da CPI instalada em 2011, ao se interessar pela melhoria do sistema de gestão dos seus direitos, fez a sua parte. Uma vez implantada, a Lei vem oxigenando o ECAD, já reduziu a percentagem de administração a 15%, trazendo maior transparência às atividades de centralização dos dados e das operações de licenciamento, arrecadação e distribuição.
Enquanto isso, autores, intérpretes e músicos, não têm hoje a menor possibilidade de conseguir que a indústria musical preste contas dignas ou faça pagamentos razoáveis, porque, além de tudo, os valores a serem pagos são fixados pelo próprio usuário. Assim, é fundamental para a classe poder contar com uma entidade forte e detentora do melhor e mais completo cadastro de autores, intérpretes e músicos para enfrentar os gigantes das redes digitais.
No exterior, as sociedades locais arrecadam e distribuem direitos idênticos aos que ECAD administra, sem que tenha havido qualquer questionamento quanto a suas atividades.
O não reconhecimento da incidência dos direitos de execução pública nas utilizações via internet, arrecadados e distribuídos de maneira centralizada através do sistema ECAD, coloca em risco a sobrevivência dos autores, artistas e músicos acompanhantes. Quem atua no mercado da música conhece, na prática, as dificuldades no caminho da relação dita “direta” entre provedores de um lado, autores, artistas e músicos do outro, que não é tão direta assim porque necessariamente inclui terceiros intermediários, agregadores e empresas comerciais que não estão submetidas às regras da Lei 12.853/13.
Autores, artistas e músicos que assinam esse comunicado não vislumbram qualquer sinal de excesso de monopólio legal no modelo de gestão centralizada quando aplicado aos usos digitais, ao contrário: consideram que esse é o formato natural e adequado aos seus mais legítimos interesses, que deveria ser acolhido, e não confrontado pelos representantes da indústria que floresce em torno do patrimônio do criador. Quando nega acolhimento ao formato de gestão pelo qual classe lutou em 1973, a indústria assume o risco de pregar um modelo de negócio que privilegia o repertório por ela apenas administrado, posto que não é criador mas sim criatura, e – o mais grave – de desestimular os autores do futuro da nossa Música Popular Brasileira. Alguma coisa está fora da ordem.
Representando o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música – GAP, subscrevem os músicos e compositores
- Antonio Villeroy
- Dadi Carvalho
- Déborah Cheyne
- Dudu Falcão
- Edu Krieger
- Felipe Radicetti
- Fernanda Abreu
- Francis Hime
- Gabriel Martins
- Isabella Taviani
- Ivan Lins
- Jorge Vercilo
- Leoni
- Lula Queiroga
- Michael Sullivan
- Mu Carvalho
- Olivia Hime
- Ricardo Bacelar
- Roberto Frejat
- Roberto Menescal
- Roger Henri
- Sergio Ricardo
- Tim Rescala
- Tuto Ferraz
- Vitor Martins
Subscrevem com o GAP:
- Associação Procure Saber – APS
- Associação Brasileira de Compositores para Audiovisual – Musimagem Brasil
- Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Rio de Janeiro – SindMusi-RJ